quarta-feira, 21 de setembro de 2011

Barbas da História

Por

Hoje, enquanto fazia minha barba, fiquei pensando o quanto uns simples pêlos no rosto eram (e ainda são) de uma importância tão grande na história do mundo.
Alguns acreditam que a barba tem o poder de distinguir o dito limpo do sujo, o puro do impuro e por aí vai.
Heródoto e suas barbas
 Na História, a barba, ora era valorizada, ora era discriminada dependendo da cultura de cada povo.
Nos tempos antigos, a barba era símbolo de status social. Quem a possuísse era considerado o todo-poderoso. Na Grécia, por exemplo, era comum ter barba e a prova disso são as estátuas dos grandes filósofos que aparecem sempre barbudos.
Isso até Alexandre, o Grande aparecer e acabar com a festa proibindo os seus soldados de ter barba por acreditar que atrapalhava nos combates diretos. Talvez o macedônio mudaria de opinião se vivesse na mesma era do general chinês Guan Yu, um dos mais famosos guerreiros da Era dos Três Reinos da China Antiga.
Era conhecido por ter uma barba longa e pelo que li a respeito, nunca foi atrapalhado por ela nas lutas que travou.
Na Idade Média, as coisas mudaram um pouco. Os católicos rasparam as barbas para diferenciar-se dos cristãos ortodoxos, confirmando assim a separação total das duas igrejas.
Mas aí me pergunto se não seria atitude contraditória dos católicos raspar a barba, se Jesus aparece barbudo nas imagens de todas as igrejas do mundo?
Vão saber o que pensavam na época, não é mesmo?
Nos séculos seguintes, a barba tornou-se um marco da vaidade masculina e logo veio a invenção do primeiro aparelho de barbear que se tem notícia.  Foi obra do francês Jean Jacques-Perret em 1770, que utilizou uma navalha em formato de T.
Mas foi um caixeiro-viajante norte-americano chamado King Camp Gillette que revolucionou o sistema de barbear que é feito até hoje por todos os homens e mulheres do planeta. Se bem que no caso delas são mais as pernas do que o rosto com algumas exceções circenses.
Ele percebeu a possibilidade de adotar lâminas descartáveis no barbeador e com a ajuda de um engenheiro de Massachussetts, William Nickerson, criou uma nova marca de lâminas que persiste até hoje, a famosa Gillette.
No século passado, a barba quase foi abolida da sociedade, devido a sua associação com o crime, com a sujeira e com a maldade humana.
Nas propagandas dos jornais da época, o personagem principal era rejeitado pela mulher e preterido pelo patrão, porque estava barbudo, aí bastava usar Gillette e pronto, a mulher o enchia de beijos e o patrão o promovia a um alto cargo na empresa.
 A barba só valorizou-se novamente no final do século XX graças aos homossexuais, que exibiam seus bigodes e cavanhaques sem nenhum problema e que teve no vocalista do Queen, Freddie Mercury, um dos representantes mais ilustres.
  Nos dias de hoje, a barba aparece de diversas formas. É associada tanto aos terroristas de todas as partes do mundo e aos governos tirânicos de alguns países muçulmanos que proíbem seus povos de raspá-los quanto a pessoas que buscam um visual mais alternativo, tendo como exemplo alguns ídolos do cinema, da TV, das histórias em quadrinhos e dos esportes que as usam como Wolverine os irmãos Pau e Marc Gasol, jogadores espanhóis da NBA.
Portanto, não coloque suas barbas de molho, porque temos muita história ainda por contar.

*Mário Gayer do Amaral é professor de história
e um dos autores do livro “A História dos Brapéis”.

domingo, 11 de setembro de 2011

Cena

Por
Gisa Brum


A plateia atenta acompanha a abertura das cortinas. No palco escuro conseguem perceber seis sombras estrategicamente colocadas. Duas no centro, duas à esquerda e duas à direita.

Luz amarelada incide no canto esquerdo. Vê-se um homem sépia de bigodes e elegantemente trajado. Calça de risca de giz, paletó, bengala, chapéu, colarinho engomado da camisa branca e gravata de laço. Pendente, no colete, uma corrente dourada que terminava em um relógio estrategicamente colocado no bolsinho. Ao seu lado, olhando para o chão, um menino, igualmente sépia, de boné xadrez, camisa clara, calças curtas presas por suspensório. Botinas pretas, meias brancas. Mal respirava ante a altivez do homem. Há uma aura sépia de amor e de cuidado.

Apaga-se a luz amarelada.

Luz acinzentada incide no canto direito. Vê-se um homem azincentado com um blusão de gola rolê branca, de calças boca de sino, jaqueta de couro e sapatos pretos. Cabelo penteado com gel formando uma leve ondulação na frente. Usa óculos escuros e parece mascar chiclete. Está com um cigarro aceso na mão. Ao seu lado, olhando para a frente, um menino, igualmente acinzentado, de calças curtas, camisa branca e colete de lã xadrez. Cabelo desenhado com gumex, confere-lhe um alto topete na frente que cai um pouco sobre os olhos e os lados são batidos. Masca chiclete e pisca para a plateia com um leve sorriso de canto de boca sob os sorrisos cúmplices do homem. Há uma aura acinzentada de amor e de cuidado.

Apaga-se a luz acinzentada.

Luzes coloridas incidem no centro do palco. Vê-se um homem colorido. Ele é forte e usa jeans, camiseta branca e tênis. Cabelo cortado com máquina 4 dos lados e 6 em cima. Não usa barba, nem bigode. Embaixo do braço leva o ipad e na outra mão um celular último tipo. Ao seu lado, olhando para todos os lados, um menino, igualmente colorido. Usa boné com a aba virada para trás, short, camiseta e tênis. Às vezes, concentra-se no jogo eletrônico, modelo novo, que traz nas mãos e em meio a bip-bips comemora os pontos acumulados, com gritos de incentivo do homem. Há uma aura colorida de amor e de cuidado.

Apaga-se a luz colorida.

Fecham-se as cortinas e dá-se o diálogo de emoções por encerrado. A plateia sai em silêncio, absortos nos pensamentos e lembranças, atuais ou distantes, boas ou ruins, saudosas ou insuportáveis que as imagens lhes causaram. Todos carregam, como brinde, algum fragmento das auras que circularam no ambiente cuidadosamente embrulhados em caixinhas douradas com fitas vermelhas entregue a cada um na saída da sala. Apagam-se as luzes do teatro. No palco, as seis figuras olham-se e despedem-se com um leve cumprimento de cabeça, caminhando em sincronia na direção da mulher translúcida que surge do escuro da cena com um grande álbum nas mãos. Cada dupla regressa para sua fotografia e assume a posição original. A mulher fecha o livro e sorri. Sabe da necessidade dessa troca de energias de tempos em tempos, afinal, ela é a vida.

quinta-feira, 8 de setembro de 2011

Solidão

Por
Mário Gayer do Amaral



O dito sentimento me acompanha desde sempre.
Ando pela cidade e quando chego na praça, deparo-me com casais que namoram. Pais que brincam com os filhos. Outras tomam seu chimarrão ou sua cerveja despreocupadamente com seu grupo de amigos.
Quanto a mim, ando sozinho pelas ruas em busca de companhia e sigo em meu caminho solitário pela cidade, pensando com meus botões sobre o paradoxo da solidão.
A impressão que passa é que as pessoas procuram evitar a solidão de qualquer maneira, com medo de serem rotulados de diferentes ou loucas, no entanto, a sociedade está cada vez mais solitária em seus muros, suas grades e seus computadores.
É nesse ponto que o paradoxo se manifesta. Elas acreditam que têm muitas amizades, no entanto estão sozinhas em casa digitando siglas estranhas como Vc, Tb, Blz e tantas outras que não entendo. Amizades curtas, rápidas e abreviadas.
 Alguns rejeitam a solidão argumentando que ninguém é uma ilha e que necessitamos de amigos ao lado para sermos felizes, mas nem todos sentem-se satisfeitos, cercados de pessoas por todos os lados e desejam estar numa ilha deserta. Longe de tudo. Existem mesmo os chamados lobos solitários que abrem mão da companhia em busca de sonho, aventura e morte.
Estes são tipos duros. Durões. Acham que são rochas. São ilhas que nunca choram.  São movidos a adrenalina e vícios e partem atrás de emoções.
Concluí que talvez nós todos estejamos numa ilha deserta desde que nos entendemos por gente, afinal de contas, salvo exceções, nascemos sozinhos e mesmo que estejamos juntos dos amigos, da família e da pessoa amada, a qualquer momento da vida, sentimos a necessidade de ficar sós.
O cantor Paulo Diniz, em música de grande sucesso “As Estradas”, disse com exatidão:
           “Das estradas que o mundo tem, vou andando sem ninguém”.

Publicado no Diário Popular
em 26/06/11.

quarta-feira, 7 de setembro de 2011

Coisas de criança

Por
Maria Izabel Arndt

-        Quem fez o mundo?
-        Deus  fez o mundo.
-        Deus é justo e bom?
-        Sim, justo e bom.

Este diálogo, repetido quase como um mantra  ressoa ainda como o badalar dos sinos de bronze daquela  velha e pequena igreja.  Sentia o coração bater na garganta, tal era o desejo sincero de saber: e quem fez Deus? Mas esta , eu sabia, era uma pergunta proibida. E eu não me atrevi...

Por isso o silêncio... Por isso eu , a repetir: Deus   fez o mundo... Deus é justo e bom.

Tinha oito anos, mais ou menos, e me preparava para a primeira comunhão. O Padre Libório, também respeitável comerciante da cidade, prestes a desaparecer, viria no final do ano para o Sacramento. E veio! Vestia sapato  branco, véu e uma pequena tiara (eu, não o padre). 

-        Eu , pecadora, me confesso... porque pequei muitas vezes...  respondi para minha mãe; briguei com minha amiga...   (Só? E se eu esqueci de algum? Será que menti?)

Não. Mentir era absolutamente impossível com o pai que eu tinha... Ele havia inscrito  em mim uma lista de pecados da infância (e de toda a vida) e colocado no seu topo a mentira. O  jeito era falar sempre a verdade!

Bem, se Deus existe e ele é justo e bom, sabe do meu esforço  para lembrar de todos os meus pecados. Tanto que, na dúvida, inventei um, não lembro  exatamente o que foi. Quando se trata de confessar, é melhor sobrar do que faltar...

Mas e a mentira? O que mereceria maior castigo? Esquecer algum? Ou inventar outro?

Enfim...confessados  os pecados, vividos e  inventados, o Padre deu  a penitência:

-        Reza um pai-nosso, dez  ave-marias , um creio em deus padre e não voltes a pecar!

Pecado é fazer isto com as crianças!

terça-feira, 6 de setembro de 2011

A casa estreita

Hoje em dia, é cada vez mais difícil encontrar uma casa assim. Mas naquela época a maioria das residências do centro da cidade seguia aquele mesmo padrão de disposição das peças: uma fachada estreita, de 6 a 8 metros, e um corredor comprido, ao longo do qual as salas e os quartos se seguiam uns aos outros. Uma pequena área de luz tentava prover um pouco de sol a nossas vidas, e, com certo exagero, chamávamos aquilo de pátio. Nele cabia todo o país da minha infância.
Não havia garagem. Os carros daquele outrora não tinham estas veleidades, de exigir uma peça enorme da casa só pra si, e de ter mais espaço do que os seus tripulantes. Tampouco tinham se tornado integrantes da família, aos quais se dedica especial devoção. Jaziam a noite toda estacionados na rua, na frente das casas daquelas poucas e invejadas famílias que os possuíam.
E ainda por cima havia janelas na casa. Por elas não entrava apenas o sol do crepúsculo, dourando os tecidos da alfaiataria do meu avô. A gente se debruçava nelas e ficava pouco acima do nível dos passantes da rua. Não havia recuo frontal, e a janela dava diretamente para a calçada. Meu avô largava o seu dedal e os seus alfinetes para conversar com os não raros conhecidos que voltavam do trabalho. Estranhamente, apesar de não motorizados, os viventes daquelas quadras sempre dispunham da calma e do tempo suficiente para uma conversa fiada.
Para a criança que eu era, a rua não era um lugar ameaçador, do qual eu tinha que ser protegido a todo custo. Atravessá-la não era o esporte radical que se tornou hoje em dia, e já aos seis anos eu caminhava sozinho os quarteirões que me separavam do meu colégio, sem que alguém tivesse a ideia de processar os meus pais por abandono.
Nas noites de verão, as bolas de futebol disputavam com as cadeiras o direito de ocupar o espaço nas calçadas. A noite era nossa amiga, e o mundo era jovem e alegre como nossos gritos de gol.
A casa estreita era o centro do mundo, o marco zero de onde partiam todos os sonhos, a moldura dos largos mundos a descobrir. Ela ainda está lá, existe ainda e por enquanto, mas, transformada em estabelecimento comercial, passa as noites vazia e solitária, e duvido que seja hoje tão feliz como naqueles tempos.

segunda-feira, 29 de agosto de 2011

Sonhos

Por
Mário Gayer do Amaral
mariogayer@hotmail.com



           Tio, desculpa se o aborreço, só quero um pouquinho de sua atenção.
Não tenha medo de mim. Sou um menino que sonha nas ruas de uma cidade que não para nunca.
Fico nas ruas brincando com uma bola meio murcha sonhando algum dia ser Ronaldinho ou Neymar.
Quando a refeição que sobra dos restaurantes é jogada no lixo eu sinto que estou no paraíso apesar de lutar pela minha sobrevivência.
Sabe de uma coisa, tio, confesso que sinto falta de carinho de mãe, o abraço de pai e de um lugar quentinho pra dormir porque a calçada nunca foi berço pra mim.
Existe um dia, no entanto, que esqueço tudo isso e por breves instantes, sou igual a aqueles que vestem roupas de grife e que sem nenhum motivo me batem e ameaçam fazer coisa horrivel igualzinho o que aconteceu lá com aquele cara de uma tal Brasília, que nem sei onde fica mas dizem que é linda.
É o domingo que vou junto com meus amigos ao campo de futebol pra ver o meu time jogar e, apesar de me olhar com desconfiança e medo só porque visto uma camisa surrada de propaganda de refrigerante, alguns tios e tias deixam entrar junto com eles, mas pedem pra ficar quieto senão os “polícia” me expulsa do estádio.  
Vendo os jogadores entrarem em campo e serem recebidos com toda a festa da sua alegre torcida, me emociono mais ainda porque outro tio me deixou entrar junto com eles. Isso nunca vou esquecer.
Quando o jogo acaba, minha vida volta a ser o que era antes e sigo nesse caminho sem esperança, mas acredito que, algum dia, as pessoas não me vejam como alguém que cheira cola e pede dinheiro, mas como alguém que tem sonhos como qualquer um da minha idade.
Só peço uma coisa. Não vá embora senão os caras que vendem aquela “pedrinha que faz viajar” destruirão minhas esperanças.
Deixe-me sonhar.
Para terminar esta crônica, parafraseio aqui o cantor Paulo Diniz em sua música de grande sucesso As Estradas.
           “Das estradas que o mundo tem, vou andando sem ninguém”.

Publicado dia 24/06/11
Diário Popular